Por Prof. José Donizeti Alves

Já se passaram quase dois meses que as flores do café abriram e a grande maioria dos produtores está relatando problemas com a florada. De maneira geral, o que se observa são rosetas com pouquíssimos frutos e os nós mais próximos à ponta dos ramos, que deveriam ter florescido juntamente com os demais da posição basal, não floresceram. Chama a atenção nessas lavouras, muitas delas em safra zero, que a florada foi excepcional e as plantas estavam e ainda estão vigorosas portanto, vinham com boa expectativa de produção para o ano que vem. Dessa situação aparentemente divergente, surgiram duas perguntas: (i) apesar da excelente florada e do elevado vigor vegetativo das plantas, por que as rosetas estão “banquelas”? (ii) Por que os nós presentes na porção mais apical dos ramos não floresceram?

Potencialmente, cada nó pode comportar até 40 flores ou até mais. Entretanto, a natureza biológica da espécie arábica, que procura balancear a demanda dos drenos (crescimento vegetativo e frutos) à oferta de fotoassimilados pelas fontes (folhas), restringe a frutificação em 30 a 75% de sua capacidade teórica, de modo que a expectativa é que, em tese, cada roseta contenha entre 10 a 28 frutos. Entretanto, com a seca desde março do ano passado até setembro deste ano e três geadas no último mês de julho, o que se nota hoje é um número expressivamente menor de frutos nas rosetas. A causa primária são as adversidades climáticas extremas e o que se pode adiantar é que a maioria dos problemas iniciou na pré-florada, com destaque para a baixa fotossíntese que deixou as plantas sem reservas e cujos carboidratos, são essenciais para uma boa florada e pegamento dos frutos.

Mas como se explica essa drástica redução na frutificação após uma grande florada? Observamos em campo que as flores do café não se formaram completamente. As partes externas e, portanto, visíveis dos botões florais e das flores (sépalas e pétalas), estavam intactas, mas, internamente, as estruturas masculinas (estames) e femininas (carpelos) estavam com má formação. Flores incompletas como estas, não vingam e as causas dessa anomalia estrutural podem ser um efeito indireto de desequilíbrios hormonal (1) ou nutricional; doenças ou direto, da dissecação parcial dos estames e carpelos.

Uma terceira explicação para a presença de flores incompletas e que pode ajudar a desvendar as causas dessa anomalia, pode ser dada pela biologia molecular. A flor completa de plantas do grupo das angiospermas, do qual o cafeeiro faz parte, é formada por quatro estruturas (sépalas, pétalas, estames e carpelos) que são definidas pela expressão diferencial dos genes A, B e C segundo o modelo ABC, adaptado para o café (2) pelo grupo do Prof. Antonio Chalfun-Junior da UFLA. Resumidamente e de maneira geral para todas as flores do grupo, as sépalas são produtos da expressão do gene A, as pétalas, pelos genes A + B, os estames por B + C e finalmente, os carpelos que requerem apenas o gene C ativo. Como cada gene expresso isoladamente ou em co-expressão determinam a identidade das estruturas florais, quando um deles não é expresso, a flor resultante é incompleta.

Por exemplo, a perda da atividade do gene C, resultará em uma flor com apenas os verticilos sépalas e pétalas, sendo os outros dois, estames e carpelos, ausentes ou com má formação. Portanto, do ponto de vista da expressão gênica é possível que o calor e a seca na fase de pré-florada, possam ter inibido parcialmente a expressão dos genes responsáveis pela formação das partes reprodutivas da flor. Isso explica a presença de flores com as estruturas externas, o cálice (conjunto de sépalas) e a corola (conjunto de pétalas) intactas, mas, internamente, com as estruturas masculinas e femininas (estames e capelos) ausentes ou incompletas. Portanto, a anomalia no desenvolvimento da flor, seja ela em razão de um desequilíbrio hormonal ou nutricional, doenças, dissecação ou inibição gênica, isoladamente ou em conjunto, explica o baixo nível da florada.

Quanto a falta de florescimento na porção mais apical dos ramos, é provável que a causa esteja associada ao estresse hídrico e térmico no período de transição do meristema vegetativo ao reprodutivo. A literatura registra que a indução floral acontece entre os meses de março a maio, favorecida pelas temperaturas amenas e um bom status hídrico nas gemas. O que se observou, no entanto, é que este período foi marcadamente seco e quente. Essa condição climática desfavorável, normalmente exacerbada nas regiões mais externas da copa, pode ter bloqueado a indução das gemas vegetativas ao estado floral naquela região. A ausência, até o presente momento de gemas florais aparentes nos estádios R1 a R4, seja nas rosetas que já estão com frutos ou nos nós mais apicais, corrobora esta hipótese.

Considerações finais

Em rápida revisão na internet vimos que o abortamento das flores do café tem sido creditado a inúmeros fatores como seca, calor, geada e frio prolongado associados a má nutrição das plantas, baixo nível de reservas de carboidratos, pragas e doenças, arquitetura inadequada e plantio em áreas inaptas. Concordo com todas estas análises e acredito que não existe um fator isolado, mas sim uma interação entre eles, cuja causa tem como base o clima desfavorável ao cultivo do café.

Entretanto, muitos técnicos têm relatado que lavouras tradicionalmente produtivas e que não sofreram geadas e frio intenso e lavoras irrigadas, onde as temperaturas ficaram dentro da normalidade; também apresentaram um alto índice de abortamento. Me parece então, que essa anormalidade fisiológica está generalizada e traz incertezas na produção do ano que vem. Uma vez que eventos climáticos extremos é uma realidade na maioria das áreas cafeeiras e que as áreas que não foram afetadas por eles é uma exceção à regra, esse baixo registro generalizado das flores, precisa ser estudado com profundidade. Por isso, penso que a hipótese de uma inibição gênica que silenciou genes envolvidos na reprodução do cafeeiro, ganha força, uma vez que para esse silenciamento acontecer, as plantas necessariamente não precisam estar no ambiente do estresse. Sensores biológicos ainda não identificados podem perceber modificações em ambientes próximos e alterar a expressão desses genes. 

(1) Alves JD & Mazzafera P. 2021. Ainda sobre a herança de um estresse hídrico prolongado na cultura do café: problemas no pegamento da florada. Artigo de internet. https://www.redepeabirus.com.br/redes/form/post?topico_id=94871

(2) López ME, Santos IS, de Oliveira RR, Lima AA, Cardon CH, et al. 2021. An overview of the endogenous and environmental factors related to the Coffea arabica flowering process. Beverage Plant Research 1: 13.  https://doi.org/10.48130/BPR-2021-001

Fonte