Por Cristiana Couto
Em regiões conhecidas pela produção de cafés de qualidade, como Cerrado Mineiro, Sul de Minas, Chapada Diamantina e Região do Pinhal, um novo cultivo vem ganhando espaço: o de uvas para vinhos finos. Graças à combinação de solo, clima e manejo inovador das uvas viníferas, cafeicultores investem na vitivinicultura e desafiam a lógica de que café e vinho não podem dividir o mesmo território.
A Espresso ouviu produtores que conciliam os dois cultivos e enólogos que acompanham essa transformação. Com a adaptação das videiras ao ciclo produtivo tropical, as fronteiras do vinho brasileiro se expandem – e, da mesma maneira, cafeicultores enxergam no cultivo de uvas uma oportunidade de diversificar seus mercados.
Terroir
Termo francês consagrado no mundo do vinho, o terroir reflete a complexa interação entre solo, clima e manejo humano, que determinam as características únicas de cada safra e influenciam diretamente a identidade da bebida.
Em sua caminhada rumo à excelência na xícara, os cafés de qualidade adotaram diversos aprendizados e incorporaram outros tantos conceitos desse universo, e o terroir não ficou de fora. É ele a chave de compreensão para a transformação que vem revolucionando, há duas décadas, o cenário do vinho brasileiro e que está, cada vez mais, entrelaçando-se à identidade sensorial e à valorização de origem do café.
Anos atrás, interessados por vinhos aprenderiam em sala de aula que eles são produzidos em zonas temperadas, enquanto cafés prosperam em climas tropicais. Manejar videiras e cafezais na mesma região – que dirá na mesma fazenda – era impensável até então. Mas paradigmas existem para ser quebrados.
A razão é a dupla poda, manejo que interfere no ciclo de vida das videiras e resulta na produção de vinhos de qualidade em regiões antes consideradas inadequadas. Também denominada poda invertida, a técnica, desenvolvida no Brasil no início dos anos 2000 sob a liderança do pesquisador Murilo de Albuquerque Regina (saiba mais ao fim da reportagem), consiste em fazer duas podas na videira ao ano, o que permite colher uvas no inverno brasileiro (entre maio e agosto) e não no verão, como acontece tradicionalmente no país. Nesta época, em áreas de altitude do sudeste e do centro-oeste, as chuvas de verão prejudicam a qualidade das uvas, ao permitir, por exemplo, o aparecimento de doenças fúngicas.
Mas o manejo dos chamados vinhos de inverno não faz milagre sozinho. “Não adianta plantar videiras na Amazônia e fazer dupla poda, porque lá não existe clima adequado”, lembra o enólogo chileno Christian Sepúlveda, referindo-se aos dias ensolarados e noites frias, comuns nas regiões de altitude no sudeste e centro-oeste do país, e aos solos secos no outono e no inverno, ou seja, à umidade relativa muito baixa.
“Onde se faz café de qualidade faz-se também vinho de qualidade, desde que os dois amadureçam na mesma época e tenham o ciclo de amadurecimento influenciado pelas mesmas condições climáticas”, ensina Murilo Regina, que foi coordenador do Núcleo Técnico Uva e Vinho na Empresa de Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) à época da criação do protocolo da dupla poda. Condições essas que influenciam de forma positiva o amadurecimento tanto da uva quanto do café, atuando na formação e acúmulo de açúcares, na degradação de ácidos e no metabolismo de elementos fenólicos e aromáticos, responsáveis pelas qualidades sensoriais das duas bebidas.
A colheita segue a mesma lógica. “É interessante colher o café quando não chove”, lembra Frederico Novelli, consultor de vitivinicultura da empresa Floeno, referindo-se à sanidade dos cafezais. Novelli lembra que a produção cafeeira na Serra do Rio de Janeiro diminuiu porque chuvas frequentes, mesmo no inverno, favoreciam a fermentação indesejada dos frutos, resultando em cafés de qualidade inferior. “Grandes regiões vitivinícolas do mundo, como Bordeaux, Borgonha e Priorato, têm características de clima muito parecidas com as das regiões dos nossos bons cafés, seja São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas Gerais”, emenda. “O que o manejo de dupla poda fez foi transferir a colheita da uva para o inverno, e as regiões mais apropriadas para plantá-las, coincidentemente, eram as mesmas do café”, resume ele, que dá consultoria a produtores de vinhos em áreas cafeeiras mineiras como Patrocínio, Patos de Minas, Lavras e Araxá. “Quando começamos a fazer vinhos de inverno, já tínhamos um mapa pré-traçado pelos produtores de café”.
Assim, os dois cultivos, até então dissociados, começaram a se estabelecer lado a lado. “Ninguém arranca café para plantar uvas”, afirma Sepúlveda. “Vinho e café não concorrem por terras agrícolas”, esclarece Murilo Regina. Segundo ele, o café ocupa as áreas mais altas dos morros, onde a incidência de geadas (às quais ele é sensível) é menor, enquanto as videiras se adaptam melhor às áreas de baixadas. Portanto, as duas culturas não concorrem por espaço e conseguem expressar seu potencial qualitativo no mesmo território.
Novos territórios
Recortada por vales e montanhas, a Serra da Mantiqueira, que se estende por São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, é um dos territórios mais propícios à produção de cafés. Próximo a essa região montanhosa e na divisa com terras mineiras está o município paulista Espírito Santo do Pinhal, um dos oito a integrar a indicação de procedência (IP) de cafés Região de Pinhal, obtida em 2016.
A interseção dos fatores naturais – altitudes entre 850 e 1.300 metros e dias quentes e noites frescas – aliada à técnica da dupla poda colocou o município, há vinte anos, no mapa dos novos territórios brasileiros do vinho.
“Produzir vinhos aqui virou uma oportunidade para os que gostam da bebida e uma diversificação para os cafeicultores”, acredita Mariana Del Guerra. Q-Grader e torrefadora, Mariana e o marido, o engenheiro agrônomo especialista em café e sustentabilidade e consultor da Plataforma Global do Café Eduardo Sampaio, conduzem há quatro anos, ao lado de dois sócios, a vinícola Les Amis de Pinhal, um dos mais de cinquenta projetos de vinho da Serra dos Encontros, que abrange quatro municípios entre São Paulo e Minas Gerais.
São 2,9 hectares de vinhas distribuídas entre o sítio San José, no município, e o sítio Aponte, em Albertina (MG), há 15 km dali, onde o casal também planta cafés. “Em Albertina, o terroir é até melhor”, conta Mariana, que vai elaborar suas primeiras garrafas em solo mineiro em 2026.
Em 2024, a vinícola produziu 900 garrafas de sauvignon blanc e mil de syrah, uvas com qualidade já reconhecida na região. “Vamos diversificar para outras uvas que também estão se dando bem por aqui”, explica ela, que pretende expandir os vinhedos para 12 hectares e incluir as castas cabernet franc e chenin blanc.
Vinho e café também se cruzam por outros caminhos na região. O casal Fernando Mororó e Raquel Pacagnela, recém-chegados da África do Sul, decidiram fazer vinhos em Espírito Santo do Pinhal e adquiriram um pedaço de terra. “Ficamos encantados com o enoturismo”, diz Mororó. Mas os pés de mundo novo falaram mais alto. “A cidade respira café”, emenda Raquel, sobre a história local, entrelaçada à cultura cafeeira desde a década de 1850, quando os primeiros pés foram plantados na região. A inauguração do ramal ferroviário da Mogiana contribuiu para a prosperidade da cidade. Palacetes, igrejas e instituições culturais construídas no auge do café, entre os séculos XIX e XX, ainda resistem.
Hoje, 40 mil pés de sete variedades de arábica cobrem parte dos oito hectares da fazenda Terra de Kurí, onde Mororó e Raquel produzem cafés especiais e dedicam-se ao turismo de experiência. A fazenda, cujos grãos classificaram-se entre os primeiros lugares em concursos como o Coffee of the Year, tem uma área reservada aos visitantes para a degustação dos cafés, uma pousada e um restaurante. “O vinho veio ocupando esse espaço, trouxe gente para a região e acabou valorizando o café. Café e vinhos são complementares, pode-se aproveitar os dois”, acredita Raquel.
Hospedagem na Terra de Kurí
Sobre vinhos e cafés
Vinhos de inverno e cafés de qualidade compartilham território e clima, mas têm suas particularidades. Enquanto o café exige menos manejo contínuo ao longo do ano, a viticultura demanda cuidados quase diários durante o desenvolvimento das videiras.
“A uva é desafiadora no verão, enquanto o café aguenta mais desaforos”, analisa Mariana, sobre o crescimento vigoroso das videiras na estação quente, o que exige acompanhamento intensivo, como desfolhas para arejar o vinhedo e controlar o microclima dos cachos. “Enquanto no café você pode adiar um trato para a semana seguinte porque choveu, na uva ele tem que ser feito no timing. Se a pulverização dos vinhedos é para ser feita tal dia, é para fazer tal dia”, detalha.
O trabalho intensivo no campo, porém, inverte-se na época da colheita. Se a colheita do café pode alcançar três meses, a da uva é feita em um só dia (os cachos são enviados diretamente para a área de vinificação, onde o vinho é fermentado e engarrafado).
Aliás, uma das vantagens em cultivar uvas e grãos na mesma fazenda é que, com a dupla poda, ambas as culturas são colhidas na mesma época. “Aproveitamos a mesma mão de obra, o mesmo maquinário, o mesmo pulverizador, otimizando o custo”, lembra Flávio Bambini, engenheiro agrônomo e consultor de café do Sebrae Educampo.
Em 2015 e por hobby, Flávio Bambini começou a produzir vinhos na Região do Cerrado Mineiro, na fazenda Cruzeiro da Fortaleza, entre Serra do Salitre e Patrocínio. Em 2017, produziu as primeiras 200 unidades de vinho feito da casta syrah, plantada em um hectare – um dos primeiros rótulos do Cerrado Mineiro.
O projeto-piloto – que atualmente atinge 3 mil garrafas, vendidas localmente ou via Instagram – estimulou-o a fomentar a ideia entre os cafeicultores da região e, no mesmo ano, lançou o projeto Vinhos do Cerrado com a Federação dos Cafeicultores do Cerrado. “Várias pessoas ficaram curiosas”, lembra Bambini. As terras dedicadas aos vinhedos expandem-se ano após ano. Para 2026, a expectativa é a de que, dos atuais 25 hectares de vinhas na região, surjam cerca de 137 mil garrafas, fruto do trabalho de onze produtores – oito deles, também cafeicultores.
As altas altitudes (entre 850 e 1.250 metros), um clima bem definido (inverno seco com baixas temperaturas e verão chuvoso) e boa amplitude térmica, com o auxílio da dupla poda e de irrigação, entregam vinhos de inverno de qualidade.
Assim como em Pinhal, as uvas mais plantadas no Cerrado Mineiro são syrah e sauvignon blanc, mas há experimentos com malbec, marselan, tempranillo e chenin blanc sob a consultoria do Grupo Vitácea Brasil, do qual Murilo Regina é sócio-fundador e diretor. Maior viveiro vitícola do Brasil, a Vitácea surgiu em 2001 e hoje em dia tem um portfólio amplo, com serviços de consultoria e vinificação. “Vendemos para todos os grandes produtores do sul, e 99% das mudas de dupla poda dos produtores do sudeste e centro-oeste são da nossa produção”, explica Matheus Cassimiro, gerente de comunicação e agronegócio do grupo.
Além das variedades de uvas, os produtores do Cerrado e de Espírito Santo do Pinhal compartilham uma visão comum: a necessidade de fazer parcerias e o impulso que o vinho dá ao turismo rural.
Ganha-ganha
No Cerrado, a ideia é fazer uso da governança e da estrutura na produção do grão para impulsionar a viticultura por meio da criação da Associação de Vinicultores do Cerrado Mineiro (Vincer). “Um dos objetivos é ter um espaço dedicado à vinificação, com capacidade para compartilhar enólogo e otimizar equipamentos”, explica Bambini que, assim como outros produtores, vinifica seus vinhos no Núcleo Técnico Uva e Vinho da Epamig, entre outros locais.
As uvas da Les Amis de Pinhal e de produtores próximos também são vinificadas fora das propriedades de origem, em parceria com a vinícola Terra Nossa.
Além de viabilizar a elaboração dos vinhos de pequenos produtores como Mariana, a Terra Nossa fornece consultoria enológica. Criada por ex-funcionários da prestigiada vinícola Guaspari – pioneira no cultivo de vinhas em Espírito Santo do Pinhal, no início dos anos 2000 (a Guaspari também produz cafés e azeites) –, a Terra Nossa nasceu em 2014 para fazer vinho para consumo próprio. Hoje em dia, além de comercializar seus rótulos, a empresa atende 38 produtores da região de Pinhal e tem capacidade para gerar, anualmente, até 300 mil litros da bebida.
“É uma forma democrática de ajudar as pessoas a desenvolverem seus projetos vitivinícolas”, diz Sepúlveda, um dos sócios. Segundo ele, pelo menos 50% dos clientes que atende são, também, cafeicultores. “Mas cem por cento das uvas que cultivamos aqui foram plantadas em regiões em que já se plantou café”, lembra o enólogo.
Montar uma vinícola não é tarefa fácil. “Não é viável investir em uma estrutura de vinificação própria antes de a produção atingir dez hectares”, acredita Mariana, referindo-se ao custo com prensas, bombas hidráulicas e tanques de fermentação.
Plantio de uvas e cafés
Vinho, café e vulcão
No sul de Minas, Andradas se destaca como um polo da cafeicultura de qualidade. Sua geografia particular, marcada por altitudes entre 700 e 1.300 metros e solos de origem vulcânica, ricos em minerais, cria condições ideais para a produção de cafés especiais.
Se o café é hoje a principal atividade econômica de Andradas, a viticultura também faz parte de sua identidade. Essa tradição começou há mais de um século, quando imigrantes portugueses trouxeram uvas da Ilha da Madeira e iniciaram a produção de vinhos simples, para consumo interno. Depois, chegaram os italianos e continuaram o processo. “Nos anos 1960, a cidade chegou a ter setenta vinícolas”, conta o empresário paulistano Luis Augusto Opice. Atualmente, são seis propriedades dedicadas aos vinhos.
Em 2014, Opice comprou o Rancho da Bela Vista, onde produz catuaí, arara e bourbonzinho com foco no mercado de alta qualidade. Em 2023, resolveu substituir cafezais antigos por vinhedos. “Tenho dois talhões de uvas colados aos de café”, diz ele.
O plantio de syrah e viognier foi um sucesso. “Parece que a terra pediu por uma mudança de cultura. São uvas viçosas, sadias, com boa acidez, taninos e teor de açúcar”, comemora. Vinte e três meses depois, colheu a primeira safra, que, no fechamento desta edição, vinificavam na Terra Nossa. A expectativa é engarrafar 5.100 vinhos, e o empresário já investe num segundo talhão e na sua marca, a RBV, de vinhos e cafés.
Sustentabilidade em dobro
Reconhecida pelas suas paisagens exuberantes, a Chapada Diamantina guarda uma tradição cafeicultora pouco conhecida. A cultura do café existe lá há décadas, mas ganhou projeção com o Cup of Excellence (COE) e a denominação de origem (DO) obtida no final de 2024.
Foi na década de 1980 que os Borré migraram do sul para a Bahia. “Em 1984, houve um movimento de produtores sulistas que buscavam áreas de expansão”, conta Fabiano Borré, CEO da vinícola Uvva.
Situada a 1.150 metros de altitude, a vinícola nasceu em 2022, depois de dez anos de investimentos em pesquisas com uvas viníferas – época em que o governo da Bahia, em parceria com a Embrapa Uva e Vinho, fizeram plantios experimentais na região. “Já tínhamos boa estrada com café”, lembra Borré. Isso porque em 2005 a família, que também produz outras culturas, investiu na produção de cafés especiais. Atualmente, a Fazenda Progresso, em Mucugê – um dos 24 municípios da DO –, tem a maior produção de cafés da região. São 550 hectares de catuaí 144 vermelho e topázio amarelo vendidos para nove países, além do mercado interno, sob a marca Latitude 13º.
Na Progresso, a sustentabilidade é um dos pilares da produção de cafés e vinhos – são cerca de 52 hectares de vinhedos que geram tintos, brancos e espumantes. Entre as práticas, o uso de gramíneas como cobertura vegetal, para preservar umidade e reduzir a temperatura do solo, o uso consciente da água e a aposta no controle biológico. “Temos uma biofábrica onde multiplicamos bactérias e fungos. Na uva, mais de 50% do controle é feito dessa forma”, destaca Borré.
O CEO também faz parcerias com cerca de 25 pequenos cafeicultores da região, que utilizam a plataforma de exportação da Progresso. “Quando um cliente nos visita, nós o levamos até a fazenda do pequeno produtor, que vai contar um pouco de sua história e comercializar seu café, que leva o nome da sua fazenda. Isso atrai um pouco a nova geração”, analisa.
No final do ano passado, a Chapada Diamantina ganhou a Rota do Vinho da Bahia. “Além dos outros atrativos, a Chapada é hoje um destino enoturístico também”, diz Maurício Bacelar, secretário do Turismo do Estado da Bahia. A rota percorre as cinco vinícolas da região – a Uvva, em Mucugê, e mais quatro no Morro do Chapéu, município que já abriga outros quatro novos projetos. “Vejo um potencial grande para o vinho na Chapada, que é começar a atrair visitas”, acredita Borré. “Temos que usar um pouco dessa massa turística e apresentar café e outros produtos, que vão ter a mesma origem”, arremata ele. “Onde mais no mundo você pode produzir cafés e uvas lado a lado? Isso coloca o Brasil numa posição diferenciada também”, conclui.
Vinhedos da Uvva
Enoturismo
De fato, a vitivinicultura tem potencial para abrir caminhos para o turismo, impulsionando não só a venda de vinhos mas, também, a valorização dos cafés e de outros produtos locais. Além disso, o turismo em torno dos vinhedos fortalece a rede de comércio regional.
Lançada em 2024, a Rota da Serra dos Encontros – uma das cinco que perfazem o projeto Vinhos de São Paulo, organizado pelo governo do estado para divulgar a produção paulista – ajudou a alavancar os rótulos do Espírito Santo do Pinhal e, de quebra, valorizar os cafés pinhalenses. “O único lugar no mundo que tem uva e café juntos é aqui no sudeste do Brasil”, reforça Sepúlveda. “Os turistas que vêm de fora do país ficam loucos ao ver pés de café ao lado das videiras”.
Segundo Mariana, a logística fácil, como estradas duplicadas e a proximidade do Aeroporto de Viracopos, também ajudou. “Dependemos 90% do turismo”, diz ela, que faz suas vendas de vinhos para restaurantes, empórios e lojas locais e que vê no enoturismo a chance de mostrar seus exemplares aos que chegam ali em busca de experiências.
A ascensão do vinho na região favoreceu comerciantes. Mariana diz que aqueles que vendiam equipamentos e insumos destinados ao café, por exemplo, começaram a vender para o vinho também, e que a viticultura “deu novo gás” à faculdade local, a Unipinhal, que oferece uma pós-graduação em enologia e viticultura e onde Bambini acaba de se formar.
“Sonhando grande, espero que o nosso vinho possa ajudar o café futuramente”, diz Bambini. “As pessoas não saem de São Paulo para vir ao Cerrado tomar um café, mas vêm para visitar vinícolas. Nosso objetivo é fazer tudo junto”, projeta.
Desafios
Produzir vinhos, porém, não é simples para os produtores de café. O intervalo entre a implantação dos vinhedos e o retorno financeiro é longo, e os custos são elevados. “O café é colhido, seco, armazenado e é uma commodity vendida em bolsa; chegou no preço que o produtor quer, ele é vendido”, compara Mariana. No vinho, além dos processos no campo, o mosto (oriundo da maceração das uvas) fica em tanques de inox por até um ano. Assim, o tempo entre a colheita e o engarrafamento e comercialização alcança, no mínimo, doze meses. “O vinho só ganha com o descanso, seja em barril ou em garrafa. Para nós, cafeicultores, é tudo muito novo”, analisa.
Segundo ela, o maior desafio na cidade é a mão de obra que, tradicionalmente acostumada aos processos da cafeicultura, tem que se adaptar. Com o aumento de turistas na região, a demanda por trabalho é maior do que a oferta de braços. “Temos que formar essas pessoas, porque o vinho é um negócio completamente diferente”. O outro é a segurança, que costuma ser ameaçada com o crescimento urbano. “É preciso criar pertencimento”, diz Mariana.
Para Sepúlveda, a tarefa mais difícil é levar vinho e café brasileiros para o mundo. “Se você não falar que tem o melhor café do mundo, ninguém vai falar”, raciocina. “A uva tem que aproveitar a tradição do café, e o café tem que aproveitar a fama da uva, trazer o turista para entender o café”, acredita ele. “O produtor de café também ganha quando turistas buscam os vinhos da região”, emenda Ulisses Ferreira, diretor-executivo da Associação dos Produtores de Café da Região Vulcânica.
Em busca da origem
A busca por origem das duas bebidas também caminha em paralelo. Criada em 2022, a associação Avvine tem como objetivo elevar a Região de Pinhal a uma denominação de vinhos.
Em busca de proteção da origem dos grãos especiais e atenta ao crescimento do cultivo de uvas (entre outros produtos, como azeites e queijos), a Associação dos Produtores de Café da Região Vulcânica está expandindo a marca coletiva – adquirida em 2021 e usada para os cafés – também para os rótulos. “Esperamos este ano já ter os primeiros vinhos comercializados com a marca Região Vulcânica”, diz Oliveira.
De acordo com seus cálculos, dos cerca de 25 projetos dedicados ao vinho, 30% são tocados por cafeicultores – a região, que engloba doze municípios, contabiliza 12 mil produtores de café. A expansão, acredita ele, está só no começo. “Essa nossa retomada da produção de vinhos acontece pela recente qualidade da bebida e para agregar valor ao turismo”, completa.
Para saber mais: A técnica que transformou a viticultura brasileira
Nas décadas de 1940 e 1950, Minas Gerais e São Paulo produziam vinhos, mas a qualidade era baixa graças ao verão, cuja umidade excessiva favorecia a proliferação de fungos, e os solos encharcados diluíam os compostos das uvas. Como resultado, os vinhos tinham baixo teor de açúcar e, consequentemente, pouco álcool. Com as rodovias, que facilitaram o acesso ao Rio Grande do Sul, a produção no sudeste praticamente desapareceu.
A reviravolta veio nos anos 2000, quando Murilo Regina, então pesquisador da Epamig, trouxe para a viticultura brasileira uma técnica já utilizada em frutíferas: a dupla poda. Durante seu pós-doutorado na França, ele percebeu que o verão europeu tinha condições climáticas semelhantes ao outono-inverno brasileiro: amplitude térmica, dias quentes, noites frias e solo seco. Então, desenvolveu um protocolo para aplicar a dupla poda nos vinhedos.
O primeiro experimento foi em 2001, na Fazenda Santa Fé, em Três Corações (MG), onde o pesquisador encontrou condições ideais para testar a técnica. A primeira safra experimental veio em 2003, e a uva escolhida foi a syrah que, com excelente sanidade e produtividade, tornou-se a principal variedade no manejo de dupla poda – ao lado da sauvignon blanc, cabernet franc e chenin blanc, que têm se destacado nos últimos anos. Graças ao protocolo de Murilo Regina, regiões no sudeste e centro-oeste do país produzem vinhos de alta qualidade.
Texto originalmente publicado na edição #87 (março, abril e maio de 2025) da Revista Espresso. Para saber como assinar, clique aqui.