Por Celso Luis Rodrigues Vegro*

Epidemiologistas e infectologistas são categóricos em afirmar que, em janeiro de 2021, teremos um agravamento ainda maior dos nefastos efeitos da pandemia no Brasil, reflexo das aglomerações motivadas tanto pelas compras natalinas como pelos encontros familiares para celebrar a quadra festiva. O fantasioso empoderamento produzido pelo consumo etílico desse período promove mais irracionalidade e exposição ao risco. Ademais, muitos acreditam, erroneamente, que o potencial início da vacinação (nenhuma delas em terceira fase de testes foi submetida ao registro na ANVISA) sinaliza possibilidade de relaxamento das medidas protetivas (uso de máscara, distanciamento social e higiene frequente das mãos) para evitar a contaminação pelo COVID-19. 

No contexto macroeconômico, a escalada do déficit orçamentário do estado brasileiro, elevará a desconfiança, dos investidores em títulos públicos, sobre as condições de adimplência do governo, trazendo pressões no sentido da majoração da taxa de juros referencial. A escassez de recursos levará baixa ao mínimo os investimentos públicos que se somado a desconfiança quanto à condução ao dessa administração (a incapacidade de produzir um plano nacional de vacinação com politização de assunto técnico exemplifica o fracasso da atual gestão e o receio de se investir no país), desestimula a realização dos investimentos privados. A escassez de insumos industriais propicia o surgimento de pressões inflacionárias e de oscilação cambial (eventual valorização do real decorrente da excepcional liquidez mundial), trazendo mais insegurança quanto ao desempenho da economia em 2021. Para o próximo ano não cabe nenhuma análise otimista.

Em 2021, a sociedade brasileira padecerá com a interrupção da política de auxílio emergencial, conduzindo ao desespero milhões de famílias que sobreviveram em 2020, graças à implementação dessa política. Ainda no primeiro trimestre de 2021, talvez, não se possa perceber o contexto de desespero a que serão empurradas os menos privilegiados, pois parte do montante financeiro concedido, por precaução, foi poupado. Em contrapartida, o encarecimento dos alimentos básicos exaure aceleradamente qualquer excedente de caixa. A trajetória contratada para 2021 é do desalento, do esgarçamento social e do caos.

Para o agronegócio brasileiro o impacto mais sentido será o da elevação da taxa referencial que implicará em aumento do custo do capital e, portanto, do crédito rural. O câmbio depreciado pressiona os custos dos fertilizantes e defensivos encarecendo os custos de produção. Os distúrbios climáticos em 2020 provocaram atrasos no plantio de verão, implicando em postergação e concentração do plantio da safrinha, ou seja, expondo-a a um maior risco de revezes.

A atual rentabilidade oferecida pela lavoura de soja (exportações pilotando os preços domésticos) a torna candidata a substituir áreas de cultivos básicos como o feijão e o arroz, catapultando as pressões inflacionárias sobre os alimentos. Prevê-se que a futura demanda chinesa por milho produzirá cenário de escassez do produto jamais visto pelo mercado. Juntos tais fenômenos não farão de 2021 um ano qualquer para a economia brasileira. A majoração de alíquotas de ICMS para insumos agropecuários, como o implementado pelo governo do Estado de São Paulo, trará pressões ainda mais altistas sobre os preços ao consumidor final.

No agronegócio café, a excelente safra colhida em 2020, associada a cotações relativamente remuneradoras, permitiu aos cafeicultores obter uma média de remuneração satisfatória. Essa herança, traduzida em melhor condição financeira dos empreendimentos, permitiu a recuperação econômica dos produtores que amargavam duas safras de magros resultados e a ainda, a retomada de alguns investimentos necessários para a obtenção de cafés mais reputados e especiais (lavadores, desmuciladores, descascadores e secadores, por exemplo). Nos cinturões cafeeiros houve aquecimento na demanda por mão de obra temporária e das vendas do comércio varejista, incrementando a arrecadação de tributos (absolutamente necessários para fazer frente às despesas extraordinárias surgidas com a pandemia).

A safra 2021/2022 será caracterizada por ciclo de baixa, que se acentuará devido prolongada estiagem associada a altas temperaturas médias, ocorrida ao longo das duas primeiras floradas das lavouras. A tecnologia agronômica aplicada ao cultivo do café estava obtendo uma suavização da amplitude de oscilação entre as safras o que com o distúrbio climático sucedido rompe com essa exitosa tendência.

O clima seco do terceiro trimestre de 2020 induziu o aumento dos talhões sob poda de condução ainda que tardia. Recepa, esqueletamento com ou sem decote foram alternativas adotadas visando o revigoramento das lavouras depauperadas pela elevada produtividade e clima adverso. As lavouras que seguem em produção, especialmente as de sequeiro, exibem frutificação prejudicada tanto pelo desbalanceamento nutricional como pela carência de enfolhamento necessário para promover o enchimento dos frutos (em processo de queda acentuada de chumbinhos e chochamento). O cenário que se desenha para 2021 nos cinturões cafeeiros combina três cavaleiros apocalípticos formados por: maior desalento, aumento do desemprego e comércio deprimido.

Os cafeicultores seguem perdendo competitividade na condução da safra em decorrência dos aumentos do preço do diesel que soma 11,63%; dos fertilizantes (5,47% para o 20-05-20, por exemplo) e dos defensivos (16,89% para o Roundup original) incrementam os custos unitários amplificados pela minguada safra**. Ainda que o mercado exiba reação altista nos próximos meses, dificilmente com custos crescentes e escassez de produto, serão raros aqueles cafeicultores que fecharão o ano no azul.

A cafeicultura não tem tradição em contratar seguro para a safra. Essa condição associada a perda de produção intensificada pelo distúrbio climático tende a produzir um exército de inadimplentes. Antevendo essa possibilidade, cafeicultores e suas cooperativas iniciam processo de desfazimento das posições futuras e no mercado de opções. Os contratos barter, muito empregados na antecipação dos insumos para a produção, podem não serem honrados. Caso isso aconteça haverá imenso retrocesso nessa promissora modalidade de financiamento da produção agrícola.

A fenologia típica do café pode trazer prejuízos para safra 2022/2023. Produção elevada somente poderá ser esperada apenas naqueles talhões que foram podados no corrente ano, das que são conduzidas sob irrigação e daquelas que na condição de montanha foram menos expostas a seca e altas temperaturas. Os cafeicultores precisam se preparar para dois ciclos de produção pressionados pela baixa, ou nenhuma, rentabilidade.

As lideranças do agronegócio café se mobilizam, visando encontrar formas de mitigar a crise que se aproxima do segmento. Postergar os pagamentos dos créditos concedidos; estender as carências; subvencionar ainda mais o seguro; renegociar as operações barter; cooperativas destinando mais sobras aos cooperados e retendo menos para a reserva legal; negociar preços com os fornecedores para repassar produtos menos onerosos e reduzir os custos dos serviços prestados (análises de solo, sensorial, por exemplo). Desafios sem igual se apresentam. Responsabilidade das autoridades públicas e das lideranças cafeeiras será submetida a estresse jamais visto. O apocalíptico abre alas 2021 já está chegando!

*Celso Luis Rodrigues Vegro é Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA.

**Dados tabulados pelo Instituto de Economia Agrícola relativos de julho a outubro de 2020. Disponível em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/bancoiea_Teste/pagos2.aspx?cod_sis=5 (acesso em 15/12/2020).

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