A última terça-feira (9) contou com mais um episódio do programa Fala Café. O tema Tendências de mercado e novas estratégias para o varejo de café foi debatido por cinco profissionais do setor, entre eles Marcos Djinishian, executivo da Nespresso desde 2017 e head de marketing da companhia; Tina Cação, diretora de marketing da JDE Brasil, empresa multinacional de origem holandesa especializada em cafés e presente em todas as categorias no País; Bruna Caselato, sócia-diretora do Suplicy Cafés Especiais, empresa pioneira na venda de cafés especiais no Brasil; Caio Alonso Fontes, sócio-fundador do e-commerce Café Store, com atuação na venda de produtos desde 2010, e da Café Editora, presente no setor cafeeiro desde 2003; e Eliana Relvas, engenheira de alimentos com especialização em administração industrial, Q-grader e consultora de varejo desde 2004.

O primeiro bloco contou com uma introdução de cada convidado abordando o cenário atual do varejo em meio à pandemia.

Mariana Proença: Eliana, quero dar início com você que está há 24 anos nesse mercado de varejo já tendo passado por diversos grandes grupos. Como você enxerga o crescimento do mercado de café de qualidade antes da pandemia? Quais eram nossos principais desafios e também pontos positivos no mercado brasileiro?

Eliana Relvas: Tínhamos uma previsão para 2020 super positiva para o crescimento dos especiais, que seria em torno de 19%. As cápsulas já puxavam os números mais alto e as mono doses (drips), trouxe um diferencial para o consumidor que buscava novos sabores e de maneira prática. Também tivemos a entrada dos solúveis de excelência e microlotes no varejo, além de um público jovem, mais moderno, atraído pela bebida. O principal desafio da cadeia do café especial sempre foi a educação do consumidor, hoje há uma humanização dentro do café. As pessoas começaram a comprar os grãos por conta da origem, a conhecer cada vez mais sobre produção. A expectativa, portanto, para 2020 era esse reforço de todas as entradas e novidades no mercado.

Mariana Proença: Marcos, obrigada pela presença. Nós da Revista Espresso acompanhamos de muito perto a chegada da Nespresso ao Brasil. Em 2006 quando a marca suíça começou a realizar seus primeiros trabalhos aqui, o café de qualidade não era uma realidade de consumo. Como a Nespresso avalia esse percurso até aqui e qual é a importância do Brasil para a marca?

Marcos Djinishian: A Nespresso tem papel de protagonista na cena de cafés global. Os ensaios da empresa começaram na década de 70, em 86 foi lançado pela primeira vez em cápsula na Europa e chegou no brasil apenas em 2006, inaugurando a categoria, e trazendo um café de qualidade e sustentável para o consumidor. A Nespresso contribui para a formação do consumidor ao falar de um café especial. O Brasil é um produtor importante para nós a nível global. Aqui estamos em 1200 fazendas, sendo que 30% são de pequeno porte onde a gente entende que contribuímos na produção, modificamos vida e agregamos valores na região. Todos os produtores fazem parte do Programa AAA de Qualidade Sustentável, que presa pela qualidade e meio sustentáveis de trabalho e cultivo do grão. Nós rastreamos todo o café desde a fazenda até o contato com o consumidor, ele tem uma grande experiência sensorial e de sabor. O Brasil está entre os dez maiores mercados em nível global, com uma importância não só com prover o café verde para Nespresso, mas como mercado, por isso, atingimos toda a cadeia. Lançamos um prêmio de sustentabilidade e premiamos os produtores, com o intuito de incentivar a produção e sustentabilidade, ano passado foram pagos adicionais ao preço regular do café 10 milhões de dólares para os produtores. Fico muito feliz e realizado ao ver o impacto na vida dos produtores. Só esse ano já lançamos 18 cafés, essa inovação de portfólio é o que nutre nosso negócio. Nespresso tem aqui suas raízes, colaboração e impacto positivo, conhecimento para o consumidor, e é isso que queremos seguir fomentando

Mariana Proença: Bruna, o Suplicy Cafés Especiais completa 17 anos este mês e essa trajetória teve o início no food service para depois vocês adentrarem ao varejo de café em gôndolas de supermercados e investir nesse mercado. Lembro muito do Marco Suplicy ali na Alameda Lorena com o conceito super diferente para a época de atender o cliente direto no caixa. Como você avalia esse caminho da marca de começar com cafeterias de rua para depois ampliar para outros segmentos? É mais desafiador? Quais foram os prós e contras na avaliação de vocês?

Bruna Caselato: Esse ano o Suplicy Cafés Especiais completa 17 anos, desde que o Marco resolveu vender café no Jardin, em São Paulo, incluiu um torrador rosa e faz parte do grupo de pioneiros da nossa história. O consumidor pode conhecer, com o próprio Marco atrás do balcão, sobre o café especial, entender o trabalho do barista, a torra, a origem. A nossa ida para o varejo foi inevitável, assim entregamos o café para todas as pessoas e ficamos próximo das suas casas e conseguimos passar esse universo do café especial para quem também busca o nosso produto nas gôndolas de supermercado. Um passo e um presente muito bom no nosso processo de democratizar o café especial.

Mariana Proença: Tina, a holandesa JDE tem no portfólio de marcas de grande penetração no mercado de café principalmente no torrado e moído, mas com a entrada de L’OR em 2017 vocês passaram a falar com um público consumidor mais exigente. Como você avalia até aqui o perfil desse consumidor e o que mudou para vocês nesse varejo com a entrada dessa nova linha?

Tina Cação: A gente sempre defende o quanto é incrível o que acontece ao redor de uma xícara de café, as conexões, conversas, reflexões e a democracia do café, a JDE, foca muito nesse posicionamento e em levar para o consumidor de maneira acessível, conta com cafés de e marcas diferentes posicionamentos, dos mais acessíveis aos tradicionais e de qualidade bem diferenciada. Antigamente havia um preconceito de que o Brasil só consumia o café tradicional e não tinha espaço para um Premium. Por que não conversar com o consumidor e ensinar sobre esse café de qualidade? Em 2017 começamos o movimento aqui no país, olhamos algumas categorias que começaram esse processo de como levar para o consumidor o café premium. Olhamos duas frentes, uma era portfólio: que cafés, blends e segmentos podíamos levar para o consumidor entender o que era um café premium e o outro lado era os pontos de vendas, não adianta eu colocar um super portfólio na gôndola, sem transformá-la de uma maneira que o consumidor entendesse que era um café diferenciado. No portfólio chega a histótia de L’or, marca global, francesa muito forte lá fora e trouxemos nos diferentes segmentos, torrado e moído, solúvel e cápsula para começar essa mudança. Fomos aos principais clientes do varejo, contamos a história para criar um valor de mercado e de qualidade e uma segmentação a ensinar como devia ser a venda do café premium. Hoje conseguimos uma segmentação na gôndola desses cafés, cápsulas separadas, torrado e moído para que o consumidor entenda os diferenciais. Começamos no varejo com muita crítica e hoje o portfólio de produtos premium ali cresceu muito, um segmento que só tende a crescer. Ensinamos o consumidor a entender e aprender sobre café, isso não tem mais volta no Brasil, teremos um consumidor cada vez mais especializado e procurando saber das marcas.

Mariana Proença: Caio, há dez anos a Café Store foi fundada com a proposta de ser um e-commerce de cafés especiais e um ambiente de educação para o cliente. Como você avalia a evolução do consumidor até aqui e quais são os principais desafios de trabalhar com um produto tão presente na rotina do brasileiro na compra do varejo tradicional?

Caio Alonso Fontes: Em 2010 começamos com a proposta de uma plataforma de cafés especiais, atendendo assim uma demanda, já que na época o consumidor não encontrava uma oferta de produtos, não existiam canais especializados de distribuição dos cafés especiais. Montamos uma operação robusta, com tecnologia e logística, realmente preparada para atender o setor. Muita coisa mudou ao longo dos anos, o consumidor passou por etapas de aprendizado, em busca de conhecimento do universo de cafés. As cafeterias ajudaram muito nisso, com os baristas e o contato direto com o consumidor, que se tornou cada vez mais exigente. O e-commerce também evoluiu muito, desde sempre, proporciona uma melhor experiência para o consumidor, alinhando conteúdo e informação, explicações sobre os diversos cafés, a plataforma ajuda muito nesse sentido. É muito eficiente e cômodo para o consumidor realizar uma compra online, com um canal completo de venda. Assim buscamos contribuir nessa jornada de aprendizado.

O segundo bloco foi o mais comentado e com diversas perguntas, já que trouxe em debate a questão das estratégias realizadas pelas empresas durante a pandemia de covid-19 (coronavírus).

Pergunta para todos os convidados: Quais foram as primeiras estratégias adotadas pela marca no momento que se viu esse cenário da pandemia, em março de 2020? E as principais preocupações?

Bruna Caselato: Nosso ponto inicial foi entender se iríamos realmente fechar a cafeteria, para depois pensarmos na segurança dos funcionários e sabíamos que delivery não seria uma opção. Evitamos ao máximo as demissões e seguimos assim até hoje. Sabemos que não está fácil para ninguém, então é um momento de empatia e olharmos para o próximo. Fomos entender como manter a marca presente com os nossos clientes e em apenas 10 dias reestruturamos o site e inserimos, ali, todo um conteúdo de forma simples e rápida, para que o consumidor tivesse acesso ao seu café sem sair de casa. Investir em melhorar cada vez mais a performance para essa nova forma de consumir. Claro que o retorno do e-commerce não é igual ao de todas as lojas funcionando, mas foi uma forma de entregar o nosso produto e podendo seguir contanto as histórias. Belo desafio e um processo para olharmos de forma positiva e não só ficar parado com pânico sobre o que pode acontecer. Hoje temos um plano de retomada para adaptar todas as lojas, quais funcionários poderão voltar, treinamentos e entender como será esse retorno.

Tina Cação: O foco inicial da JDE foi realmente a saúde e segurança dos nossos associados, tínhamos uma preocupação muito grande de como implementar planos rapidamente para que as pessoas seguissem trabalhando e levando os cafés. Reuniões semanais para falar de pessoas, desses temas. Olhamos para o consumidor, encomendamos uma pesquisa para entender como estava o consumo de café durante a pandemia, tínhamos uma teoria de que o consumo poderia ter aumentado, e a pesquisa comprovou isso. O consumo aumentou em média 30% e faz sentido, já que estamos em casa, precisamos de um aconchego e energia para seguir a jornada. O papel do café nesse momento foi mais emocional e importante. Focamos na disponibilidade das nossas marcas, como a gente poderia garantir o consumo. Porque as pessoas querem ter o contato com as marcas que elas confiam, a gente não podia deixar o consumidor sem o café que ele ama e consome diariamente. Focamos nisso e continuamos com toda a disponibilidade no varejo, já que os supermercados seguiram com suas vendas. Olhamos para o e-commerce com um carinho melhor, investimentos, campanhas, trouxemos uma inovação para o consumidor com cápsulas através do e-commerce. Ampliamos a linha e trouxemos dois blends novos de origem, além de um olhar voltado para nossas estratégias de comunicação, para entender o atual momento.

Caio Alonso Fontes: O primeiro ponto era garantir a segurança dos nossos colaboradores e clientes, criamos um fluxo de trabalho, algumas áreas foram trabalhar em casa, outras nem tanto, por conta da distribuição. Atuamos fortemente nessa distribuição de trabalho e reforçamos as medidas de segurança nos despachos dos pedidos, garantindo um cuidado a mais com o cliente. Em seguida, como plataforma multimarca e um canal de desenvolvimento do setor de cafés, fomos entender o que estava acontecendo com o setor e a dura realidade é que por conta dos primeiros movimentos de distanciamento social muitos lugares fecharam as portas. Criamos uma iniciativa voltada para cafeterias e marcas de café que não estavam no nosso site e aceleramos isso com o projeto “Cafeterias Vivas”. 86% delas não tinham uma presença no e-commerce, então, corremos para fazer uma parceria com as cafeterias e marcas de café para ajudarmos em uma solução nesse momento. Hoje entramos com mais de 15 marcas e o interessante é que acelerou até o nosso trabalho de incrementar nosso portfólio e oferecer novos produtos para o consumidor. Unimos duas pontas: de um lado quem estava fechado e precisava de um canal de distribuição e por outro mais produto para o nosso consumidor, que sinto preparo e aberto para consumir novas bebidas. Cada vez mais nos aproximamos dos nossos parceiros para nos colocar a disposição como um canal eficiente nesse momento!

Marcos Djinishian: Nossa primeira medida foi o cuidado, saúde e seguranças dos nossos colaboradores. Estamos no meio da colheita e reunimos os produtores, virtualmente, com especialistas, médicos e infectologistas para explicar sobre as questões de segurança e cuidados necessários para prevenção da Covid-19. Acredito genuinamente na cooperação que deve existir, fomentar e transmitir a informação correta. Se a gente fala em um mercado sustentável, então quais práticas devemos fazer e importante nos unirmos para tornar isso maior, sem interesses pessoais. É importante conhecermos o consumidor e entender o que ele precisa em casa, customizando assim, conteúdos. Vamos reforçar a operação, acredito que restaurantes e hotéis serão os últimos a reabrirem e por isso, cuidamos da cadeia com uma iniciativa chamada Apoie um Restaurante, para ajudá-los nesse momento através de um voucher. Temos que trabalhar de uma maneira clara e transparente para o consumidor!

Mariana Proença: Eliana, avaliando todas essas respostas e os cenários que estão sendo projetados, você acredita que é possível saímos com quais lições dessa pandemia?

Eliana Relvas: Acredito que a transparência é fundamental no cenário atual. Com todo mundo em casa, o momento de tomar café se tornou uma válvula de escape para determinados momentos. Durante a semana as pessoas consomem cafés mais rápidos e práticos na hora do preparo, em outros momentos, ela quer parar para preparar o seu café e relaxar, então, a bebida entra em diversos momentos na vida das pessoas. Não sabemos como será a retomada, já que o cenário econômico está complicado, alguns acreditam que o consumidor com menor poder aquisitivo diminua a qualidade do café, porém, acredito que quem criou um patamar sensorial não mude isso, talvez reduza a quantidade. A gente muda, hábitos mudam, temos que analisar como será esse novo consumidor, aposto que mais exigente e buscando por coisas novas. Sigo otimista de quem em breve poderemos voltar a degustar nossas xícaras de café!

O último bloco foi de lições para o futuro e mensagens finais. Caio afirmou ser otimista e tem a certeza de que estamos nos preparando para sair da crise: “o ser humano tem uma capacidade enorme de se adaptar e se reinventar. Acredito que teremos adaptações normais, mas num longo prazo vamos voltar a antigamente. Tomar café é um hábito que cada vez mais será prazeroso, com a riqueza do produto e a história por trás dele”, conclui.

Para Eliana o ser humano se tornará melhor, “iremos sair melhor do que entramos, acredito que o conhecimento e processo muda as pessoas e o café vai junto”. Já Bruna enfatiza que a palavra empatia tem sido muito utilizada no momento, “seja pelo consumidor, vizinho, familiar, temos que nos ajudar e nos adaptar”, aponta. Para ela o café é uma forma de carinho e até mesmo pausa da correria do dia a dia, “vamos repensar o estilo de vida, abrir mão de algumas coisas, mas acredito que o café estará sempre ligado”, conclui.

Para Tina o momento ajudou a valorizar os sentimentos e valores e pensar no bem estar de todos. “Ao lado de tudo isso não podemos deixar de lado o que o consumidor deseja e precisa nesse momento, e valorizá-lo. Vamos seguir ensinando sobre o café e proporcionar cada vez mais experiências sensoriais para todos”.

Por fim, Marcos, aponta como foi desafiador esse momento no quesito pessoal, já que de repente a casa virou escola e escritório. “Reforço a importância da empatia e de escutarmos o próximo e ajudá-lo de alguma forma. E seguir proporcionando as experiências com o nosso café para o consumidor, aliado a sustentabilidade e transparência, em uma nova era de consumo.

O 9º episódio completo do Fala Café está disponível no YouTube. Clique aqui. Caso tenha perdido algum ou queira rever, você também encontra uma playlist com todos os episódios!

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