Por Celso Luis Rodrigues Vegro*

Os sucessivos recordes de produção e exportação do agronegócio brasileiro concedem margem para o império das afirmações hiperbólicas nas análises sobre o setor. Porém, sob a lupa de olhar experiente, logo se percebe que nem tudo são flores ou céu de brigadeiro. Gargalos inúmeros limitam o agronegócio nacional (reforma navegação por cabotagem, por exemplo) em estabelecer trajetória ainda mais célere expansão da oferta agrícola a preços competitivos e de qualidade certificada.

A cafeicultura não está imune a abordagens pautadas por excessos de encômios. Posição de liderança na produção, consumo e exportação mundial não nos exime de enfrentar limitações, desenhando ações estratégicas que permitam que a condição de líder não seja questionada. A diversidade dos cinturões de concentração da lavoura associada à oferta tecnológica de ponta permitiu que ganhos sustentáveis de produtividade, essencialmente observados nos últimos 30 anos, mantivessem, com ligeira expansão, o market share da cafeicultura brasileira no mercado mundial.

Foi significativo o salto na produtividade da cafeicultura brasileira nos dois últimos decênios. Entretanto, tal incremento não produziu excedentes significativos nos estoques mundiais, pois o consumo global se expande em média entre 2,0% a 2,5% a.a., representando desaparecimento adicional de 3,5 a 4,2 milhões de sacas ao ano, demanda adicional suficiente para enxugar excedentes oriundos das safras de ciclo de alta no Brasil.

Almejar novos avanços na produtividade é permanente anseio. Mas a cada safra que se passa esse salto se torna menos elástico, ou seja, o avanço do crescimento marginal se torna decrescente ao longo do tempo. Atualmente, a cafeicultura brasileira necessita incrementar a área cultivada para manter sua posição destacada e impedir que países concorrentes na produção possam questionar essa condição.

Analisando os dados de área cultivada com lavoura cafeeira (formação e produção) constata-se que, nos últimos 20 anos, a cafeicultura brasileira exibe tendência de encolhimento da área produtiva e oscilação ligeiramente positiva na em formação. No agregado (formação + produção) a tendência é de declínio do parque produtivo, contrariando aquilo que seria desejável para perenizar sua posição de isolada liderança (Figura 1).


Figura 1 – Trajetória das áreas de formação e produção de café, Brasil, 2001 a 2021* – Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de COMPANHIA, 20211. (*) Estimativa

 

A recente elevação da área em formação observada, aparentemente, concentrou-se mais na renovação de talhões do que na efetiva expansão das lavouras, pois caso contrário haveria crescimento da área em produção, algo que a estatística não registra. Em geral, os atuais cultivares geneticamente superiores aos que são substituídos oferecerá maior produtividade por área a custos unitários inferiores. Esse fato é o que tem permitido a expansão da produção com concomitante queda da área cultivada.

O único e verdadeiro estímulo que efetivamente adiciona novas áreas de cultivo é o preço recebido pelos cafeicultores. Entretanto, em lavouras permanentes esse estímulo normalmente não coincide tanto com o planejamento anual dos viveiristas como com a tomada de decisão dos cafeicultores e dos demais investidores com interesse em ingressar nesse ramo do agronegócio. Esse descompasso acaba formando ambiente em que as sinalizações de curto prazo prevalecem na escolha das oportunidades de aplicação de capital.

Analisando-se os preços recebidos pelos sojicultores, produtores de milho e dos criadores de gado de corte, comparativamente ao recebido pelos cafeicultores verifica-se uma grande disparidade. Grãos e carne bovina vêm exibindo tendências de fortes ganhos de preços médios anuais recebidos (mais que dobrando entre 2017 e 2020), enquanto o café caiu, exibindo pequena majoração somente a partir de 2020 e que ainda se estende ao longo do primeiro bimestre de 2021 (Figura 2).


Figura 2 – Média Anual da Evolução dos Preços Recebidos pelos Produtores, São Paulo, 2016 a 2020 – Fonte: Elaborada a partir de dados Básicos de INSTITUTO, 20202.

 

O apelo para converter áreas disponíveis, inclusive na cafeicultura, para grãos é tremendo. A remuneração em ascensão oferecida pelos grãos, descontados seus custos, bate aquela obtida pelo café na maior parte das situações (lavora irrigada com média de produtividade de 40 sacas ou mais, a preços atuais, podem alcançar rentabilidades superiores aos grãos). No Estado de São Paulo embora possua uma agricultura regionalmente diversificada, em termos de paisagem rural prevalece a cana de açúcar e as pastagens, passa a exibir crescentes áreas cultivadas com soja e milho (safra de verão e segundo cultivo). Tal orientação é favorecida pela infraestrutura logística de qualidade ímpar e proximidade do porto de Santos.

A expectativa dos investidores de que ocorra desvalorização do dólar frente às demais moedas adiciona mais instabilidade para a formação dos preços. Com mercados futuros mais desenvolvidos e de ampla aceitação entre os produtores de grãos (cultura do hedge mais sedimentada), faz dos cafeicultores segmento ainda mais desfavorecido.

O Brasil necessita expandir sua área cultivada nos próximos cinco anos de forma significativa. As possibilidades de incremento da produtividade por intermédio de acréscimos tecnológicos se aproximam de seu teto. Sem um parque produtivo em expansão dificilmente será mantido o market share do país, concedendo mercados para os concorrentes que não desperdiçarão essa oportunidade. Os preços recebidos e o incremento da contratação de hedge por parte dos cafeicultores, por hora, apoiam por essa decisão, mas o ritmo ainda não é satisfatório e precisa crescer. Esse é o momento de reforçar a estrutura produtiva do parque cafeeiro brasileiro!

*Celso Luis Rodrigues Vegro é Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA [email protected]

Artigo inspirado pelo evento on-line “Raio X da Cafeicultura: o que esperar para a safra 2021 e 2022 e porque?”,  organizado pela Café Brasil com o Eng. Agr. Alysson Fagundes. Disponível em: https://shar.es/aowros

1 Disponível em: https://www.conab.gov.br/info-agro/safras/serie-historica-das-safras Acesso em 15/02/2021.

2 Disponível para assinantes em: http://ciagri.iea.sp.gov.br/nia1/precos_medios.aspx?cod_sis=2  Acesso em 15/02/2021.

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