Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal; Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal; Ai menina, meu amor, minha flor do cafezal… esse é o trecho da música Flor do Cafezal, de Luiz Carlos Paraná, lançada em 1967, que, na voz de Inezita Barroso, foi a inspiração para o nome da Pousada Cafezal em Flor. 


Foto: Agência Ophelia

Por causa da pandemia de Covid-19, nossa última viagem a uma fazenda havia sido no comecinho de fevereiro, à Barra do Choça, na Bahia. Já estávamos tristes por não poder acompanhar as produções de todo o Brasil neste ano. 

O mês de outubro chegou e com ele a notícia de que São Paulo, segundo o governo, estava na fase verde, e as coisas começaram a ser liberadas. Foi aí que recebemos o convite da organização do Global Coffee Festival para produzir um vídeo sobre uma produção cafeeira próxima à capital. Logo pensamos na Pousada Cafezal em Flor, que tem como ponto forte o turismo alinhado com o café, para que o público internacional pudesse conhecer. Aqui trazemos um pouquinho do que vimos por lá! 

Estrutura

A Cafezal em Flor fica na Serra da Mantiqueira, no Circuito das Águas Paulista, em Monte Alegre do Sul, a mais ou menos duas horas de São Paulo, e conta com chalés que levam os nomes das variedades do grão, além de apresentar o funcionamento da produção, ou seja, é uma oportunidade de conhecer cada etapa por que o café passa e se hospedar, o que eles chamam de agroturismo. 

Quem nos recepcionou nessa jornada foi o arquiteto Mateus Poli Bichara e sua mãe, Marcia Regina Poli Bichara, que é uma das precursoras desse projeto, ao lado do seu marido, Tuffi Bichara. A história começou há vinte anos. “Foi um sonho dos meus pais essa ideia de agroturismo. Minha mãe é formada em História e meu pai é da área de Agronomia. Eles juntaram o amor dos dois até surgir este lugar”, exclama Mateus. 


Mateus Poli Bichara é arquiteto e une a paixão da profissão com o turismo e a produção cafeeira – Foto: Agência Ophelia

“Eu sou historiadora, sempre gostei da história do café. Meu marido é especialista em produção de alimentos e se apaixonou pelo cultivo do grão. Sonhamos com o lugar, em que as pessoas pudessem acompanhar a produção, e assim começamos o projeto”, explica Marcia. 

Ela conta que, quando chegaram ali, havia um cafezal muito antigo e um terreno cheio de pedras que muitos desvalorizavam. “Nós enxergamos este lugar, com uma vista linda para o Rio Tamanducaia, como uma possibilidade de manter a tradição arquitetônica da região, com o uso de pedra, construção com material recuperado, seguindo o estilo de uma casa de colônia, de chalezinho, com pintura a cal e também com uma produção de café que não fosse aquela convencional.” 

“Na época, muita gente achava estranho como trabalhávamos aqui, colhendo no pano, secando direitinho no terreiro, mexendo o café no terreiro. Então a gente já entrou no mundo do café com uma ideia de um café de melhor qualidade, que a gente nem chamava de especial e sim de café gourmet”, comenta Marcia.

A professora de História conta que existem registros de café produzido no Circuito das Águas Paulista desde a primeira metade do século XIX, e um documento que comprova que no local já havia cafezal, em 1840.


“Nós sonhamos com este lugar, em que as pessoas pudessem acompanhar a produção de café”, conta Marcia Bichara – Foto: Agência Ophelia

A propriedade conta com 20 mil pés de café e, em 2005, o café já despontou ganhando como um dos melhores do estado de São Paulo, e ficou em oitavo lugar em 2015 no Coffee of the Year, concurso realizado na Semana Internacional do Café (SIC). 

Em relação à pousada temática, a família buscou um arquiteto que deu a ideia de fazer algo diferente e preservar a parte ecológica. Nenhuma árvore foi derrubada, as madeiras foram recuperadas. “Seguimos o modelo arquitetônico procurando a sensação de ruralidade para o lugar e ensinando ao visitante que é possível viver com menos, ter as coisas sem derrubar floresta, sem queimar mato, apenas recuperando o que já existe”, relata Marcia.  

Caminho

Os chalés estão propositalmente localizados próximos aos pés de café, assim o visitante tem a oportunidade de se hospedar, conhecer cada detalhe da produção e, como diz Mateus, entrar no clima. “Esse contato com o fruto é muito revelador, porque a pessoa sente na pele a dificuldade de puxar, de tirar o grão do pé”, completa. 

As visitas são guiadas e, na época da colheita, os hóspedes participam do processo. “É bem interativo e informativo, as pessoas têm uma pincelada geral, do cafezal à xícara”, conta Mateus. Ali eles fazem também a parte da torra do café.


Foto: Agência Ophelia

O local tem cinco variedades de café arábica e, para chegar a elas, a Cafezal em Flor recebeu acompanhamento agronômico da Cooxupé. Mateus conta que, desde o início, seu pai buscou apoio e procurou entender sobre qual espaçamento seria o melhor para o local, onde plantar cada variedade, como otimizar o terreiro. Assim, foram investindo na produção. 

“Meu marido buscou uma produção de qualidade desde o começo, investindo em terreiro e maquinário. A pousada é pequena, fomos investindo aos poucos”, explica Marcia. Segundo ela, a terra local é muito boa, o clima ajuda na produção. “Quem toma nosso café percebe algo diferente, próprio da região, uma suavidade maior, acidez málica, frutas amarelas”, completa. 

Todo o processo, segundo Marcia, busca perceber o que é necessário melhorar na xícara. “Conseguimos mostrar tudo isso a quem visita a gente. Mostramos o pé de café, o grão, e depois como ele se apresenta na xícara. Assim o consumidor passa a ter uma proximidade com o produtor e entender cada vez mais o que está tomando, ele sabe de onde vem a explosão de sabores”, completa. 

Marcia explica que antigamente o consumidor reclamava muito do preço do café, e isso acontecia justamente por ele não saber como é o processo. “Temos que tirar todas as sujeiras, defeitos, até chegarmos a uma xícara limpa. Tudo isso tem um custo alto e hoje o consumidor valoriza muito mais o que o produtor faz. Nós, como promotores do turismo do café, conseguimos cada vez mais nos aproximar do consumidor para que ele entenda quão trabalhoso é. Um trabalho do ano inteiro.” 

Para a produtora e historiadora, é muito desanimador fazer um trabalho durante o ano todo e não ter o reconhecimento. Com a pousada isso mudou e a possibilidade de o produtor ser cada vez mais reconhecido aumentou. 


Foto: Agência Ophelia

Experimentos

A Semana Internacional do Café (SIC) ajudou muito a família a, inclusive, degustar o próprio café. Marcia lembra que, quando inscreveu o café no COY, uma moça falou que sentiu o sabor de frutas amarelas, damasco. “Fiquei pensando: como assim? E começamos a estudar. O Instituto Agronômico (IAC) é pertinho daqui, então pudemos contar com muita pesquisa. É importante que o produtor saiba o que está produzindo, conheça o seu café para, assim, consertar os defeitos”, completa Marcia. 

A família aposta hoje no café fermentado. Inspirados também na SIC, eles começaram a acompanhar os cursos para entender o processo. “Durante um evento de colheita, pegamos os grãos cerejas e colocamos em um tambor com válvula de ar e adicionamos a levedura da cachaça premiada aqui da região, do Neno Campanari, e passamos a anotar as quantidades, variáveis e aprimorar a receita. O café leva o nome de Marvada, remetendo à moda Marvada Pinga (que também fez sucesso na voz de Inezita Barroso)”, explica Mateus. 

Café na vida 

Mateus harmoniza bem o lado arquiteto com o do café e acredita que o consumidor tem buscado hoje entender mais sobre o processo. “Cada vez mais eles querem saber como é produzido o alimento.” 

Marcia se emociona ao falar sobre o café. “Ele abre muitas portas, tanto para mim, como produtora, quanto para pessoas que possam receber conhecimento e aprender mais sobre esse mundo maravilhoso.” 

(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso referente aos meses dezembro, janeiro e fevereiro de 2021– única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).

Fonte