Por Gabriela Kaneto

O conflito entre Rússia e Ucrânia, que se estende há mais de 60 dias, tem impactado outros países em diferentes setores, sendo um deles o agronegócio. A Rússia é um dos principais exportadores de fertilizantes, comercializando o produto inclusive para o Brasil. “A guerra na Ucrânia reacendeu os debates sobre a dependência do Brasil em relação aos fertilizantes importados”, comenta Marcos Matos, diretor geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

Ele explica que as sanções impostas contra a Rússia geram grandes preocupações quanto aos impactos no agro brasileiro: “Em linhas gerais, o Brasil importa 85% dos fertilizantes que utiliza, sendo 95% de potássio, 80% de nitrogenados e 55% de fosfatados. Dessas importações, a Rússia responde por 23%”. 

Por conta dos desgastes logísticos causados pela pandemia de Covid-19, o Governo Federal lançou, em março deste ano, o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF), onde a ideia é reduzir para 50% a dependência do país quando o assunto é fertilizantes. Porém, como lembra Marcos, este é um plano de longo prazo para a transformação de infraestrutura e necessita de viabilidade econômica para se consolidar.

O café nas gôndolas brasileiras

O impacto não se restringe apenas ao campo, mas pode chegar também às prateleiras. “As especulações de desabastecimento de fertilizantes e as inseguranças dos preços dos adubos irão influenciar a precificação da safra de 2022, que será colhida em breve, e também a de 2023”, destaca Celírio Inácio, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC). “Os agricultores precisam fazer suas contas para entender, da melhor maneira possível, os custos das safras, para, assim, dar um preço ao seu café”, completa.

Vale lembrar que, além da preocupação com a situação mundial atual, o preço do café nas gôndolas brasileiras já vem em uma maré de oscilações nos últimos anos por conta da pandemia: “A verdade é que passamos por um momento muito difícil, onde ainda lidamos com os impactos da pandemia, com o desemprego em alta e o poder aquisitivo baixo. Há um aumento em muitos produtos e serviços ao mesmo tempo, então todo esse contexto faz com que o bolso do consumidor seja muito disputado. O industrial sempre se mantém preocupado com esses preços para que o consumidor final possa ter acesso a todo tipo de café”, explica Celírio. Segundo um estudo feito pela ABIC no período de dezembro de 2020 a dezembro de 2021, o reajuste de preço do café nas prateleiras atingiu a média de 52%. 

Queda nas exportações de café para o Leste Europeu

Mesmo com o conflito acontecendo em outro continente, os efeitos podem ser sentidos por aqui através das exportações de café, uma vez que, em 2021, a Rússia foi o sexto principal importador dos cafés do Brasil, adquirindo 1.217.219 sacas de 60 kg. Já a Ucrânia alcançou o 29º lugar no ranking, responsável pela compra de 215.815 sacas no último ano. 

Para Marcos Matos, é provável que esses números, ao longo do ano, registrem quedas cada vez mais expressivas, que já podem ser vistas desde agora: de acordo com o Cecafé, a Rússia caiu do sexto para o oitavo lugar em março de 2022. “É possível, uma vez que há colapso na Ucrânia com estabelecimentos – para consumo fora de casa ou compra de café para levar ao lar – fechados ou destruídos, assim como está praticamente indisponível o envio de café a essas nações, já que as agências marítimas suspenderam seus trabalhos na Rússia e encontram muita dificuldade para operar nos portos ucranianos em função da guerra. Além disso, a retirada dos agentes financeiros russos do Sistema Swift dificulta negócios com os parceiros locais dos cafés do Brasil”, informa.

Alternativas sustentáveis a serem aplicadas nas fazendas

Para diminuir a dependência das importações de fertilizantes e demais insumos, o Brasil pode olhar para dentro das próprias fazendas. “O café gera biomassa e resíduos com importantes fontes de nutrientes. A casca e a palha de café podem ser provenientes do processamento via úmida e da etapa de beneficiamento, gerada em grande volume nas próprias áreas cafeeiras”, destaca o diretor geral do Cecafé.

Segundo ele, a biomassa, aplicada na lavoura cafeeira, promove o condicionamento do solo, apresentando uma melhoria das características físico-químicas e biológicas. “Além de ser uma fonte de adubo orgânico, liberando gradualmente os nutrientes, a casca de café atua melhorando a retenção de umidade e a atividade biológica do solo, a capacidade de troca de cátions (CTC), o controle de erosão, a diminuição da temperatura do solo e ajuda, de maneira física, no controle de crescimento de plantas invasoras na projeção da saia do cafeeiro, impedindo a germinação de sementes”.

Marcos explica que a casca de café fornece elementos como o nitrogênio (N), o fósforo (P) e o potássio (K), com teores em torno de 1,5% de N, 0,15% de P2O5 e 3,0% de K2O, além de outros macronutrientes, como cálcio e magnésio. “Diversos estudos mostraram que a aplicação de palha seca de café, esterco e adubação química, em associação, gera resultados benéficos à produção do cafeeiro em relação à adubação exclusivamente química. Além disso, nas doses 1,0, 2,0, e 4,0 kg/cova de palha seca, houve aumento crescente na produção e na qualidade da bebida”.

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