Recentemente, a imprensa internacional repercutiu a construção de ranking das melhores preparações de café ao redor do globo. Empresa de produção de “conteúdo” ousou listar as trinta e nove melhores formas de apreciar a bebida encontrada em diferentes países – aliás, 34 situados no Hemisfério Norte e apenas quatro no Sul, isso considerando que a Indonésia está toda abaixo do Equador, o que, geograficamente, é um equívoco primário. Esse é um viés que por si enterra a consulta como referência para qualquer orientação de consumo que seja, minimamente, honesta.

Compete perguntar: um país (quase continente) com 300 anos dedicados à lavoura de café e a sua cultura para o mundo, um verdadeiro farol de navegação para quem quer entender esse sistema produtivo, que vai da pesquisa ao consumo (não custa lembrar: segundo maior no globo) tenha sido olimpicamente desconsiderado. Ainda maior estranheza causa que nossas lideranças permaneçam deitadas em berço explêndido. 

Numa típica postura de vira-latas, aceitam cordeiramente tal disparate. Emergem, após uma rejeição, sentimentos de desânimo e inadequação. Esse vício tupiniquim precisa ir para o divã. Não há visitante estrangeiro que não pretenda voltar ao Brasil, considerando desde sempre como um dos melhores lugares para se estar e viver. 

Na desconstrução dessa enquete, ainda se soma o foco na opinião dos contumazes viajantes internacionais e em questionários on-line. Qualquer pesquisador júnior sabe que são elementos limitantes na obtenção de resultados confiáveis e importante ressalva em metodologias que possam ser classificadas como passíveis de reprodução por outros investigadores.

Aos mais afoitos, deste lado no teclado não há um patriota que só sabe validar o que é verde e amarelo. É tão bom um waffle ou uma panqueca lambuzada no mel para o café da manhã. Digo isso para os que acreditam que só presta aquilo que brota na “Terra Boa e Generosa”.

A espécie humana tem obsessão pela construção de cânones. Na literatura, artes (pintura e escultura), cinema e teatro. Os melhores da década, do século, as leituras de cabeceira, etc. O capítulo dos alimentos e bebidas não foge a essa compulsão, piorada, inclusive, pela espúria trajetória de gourmetização que o segmento se embrenhou.

O cânone construído pela empresa de conteúdo (e vai aí um carimbo de nefasta), pois constituída por bando de filisteus presunçosos e preguiçosos, presta um desserviço à irrefreável dedicação de todos os envolvidos nesse agronegócio. Melhor dizendo, você, viajante, se seu interesse é encontrar preparações de café que o surpreendam, fuja do Brasil. Levanta a mão você que concorda com tal pataquada.

Veio-me à cabeça a estupidez do Sr. Howard Schultz (outro arrogantezinho que anda comendo poeira dos franqueadores chineses – olha quem diz isso, um singelo servidor público) quando lançou seu badalado livro dizendo, lá pelas tantas, que sua empresa jamais compraria café brasileiro pelos princípios de qualidade seguidos pela empresa. Um ano após a publicação, já somavam 3 milhões de sacas embarcadas destinadas, exclusivamente, ao ex-líder em café fora do lar. Pois é, esqueçam o que escrevi…

As notícias que chegam dos eventos internacionais da comunidade cafeeira em que o Brasil monta seu estande, é de que formam-se filas imensas para degustar o cafezinho, superando qualquer outro com suas preparações escalafobéticas. Imagina, então, apresentar as curiosidades como café adoçado com rapadura ou garapa, ou coado na água de coco, seria um êxtase que os friorentos do Norte jamais experimentaram.

Sou totalmente contra a qualquer tipo de censura, mas que tal enquete (nomear como pesquisa, jamais), porém, anda lá comichão para usar a publicação para acender nossas fogueiras de festa junina, confesso que isso lá, anda. Ao menos uma serventia para outra formidável expressão de nossa cultura popular se beneficia da narrativa dos miseravelmente tolos.

Celso Luis Rodrigues Vegro – Eng. Agr., MS, Pesquisador Científico do IEA – [email protected]

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