Por Cristiana Couto
No Brasil para a cerimônia de premiação do 34º prêmio Ernesto Illy na noite desta quinta (8), o presidente da torrefadora italiana illycaffè participou, pela manhã, de entrevista coletiva para jornalistas do setor.
Fervoroso defensor de práticas sustentáveis na cafeicultura e presença constante em projetos de grande impacto para o setor – como na parceria público-privada anunciada em 2024, na reunião do G7 na Itália, focada na cadeia de valor do café, e no Agorai Innovation Hub, centro de inovação em Trieste focado em soluções com inteligência artificial para áreas como agricultura, saúde e finanças –, Andrea illy se diz um otimista em relação aos desafios atuais. Para ele, a safra brasileira tem condições de bater um novo recorde e as altas de preço do arábica na bolsa de Nova York é fruto de especulação.
Na conversa com jornalistas, o presidente da illycaffè fala sobre a importância e os resultados dos investimentos em agricultura regenerativa, que busca incentivar e implementar desde 2018 como estratégia para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas, das necessidades e oportunidades do Brasil como maior produtor do grão e da volatilidade dos preços do café. A seguir, os principais trechos da coletiva.
A “bola” especulativa
É difícil calcular a queda da produção de café, mas ela não é grande. Não a ponto de justificar o nível de preços que atingimos. Esse preço de 4 dólares por libra não é indicativo do desequilíbrio entre demanda e oferta, mas uma “bola” especulativa gigante, favorecida pelas secas no Vietnã e no Brasil. Devemos filtrar um pouco o que nós podemos ler dos mercados.
2026 será poderoso
Pode ser que o pico [de preços] tenha passado. Esperamos que sim. Historicamente, se olharmos gráficos, depois de 12, 14 meses de um pico máximo, o preço cai cerca de 50%. E 2026 vai ser um ano muito mais poderoso. Há condições climáticas muito favoráveis para a produção máxima possível. Devemos considerar ainda que a produção de mudas aumentou 50%. A safra [2026] tende a ser um recorde. Mas isso não é uma previsão, eu não tenho uma esfera de cristal. É um modo de pensar.
Cop30
Em novembro, o Brasil sediará a COP-30, e a illy pretende apresentar um projeto sobre o uso da inteligência artificial na cafeicultura. A complexidade de aspectos econômicos, ambientais e sociais não pode ser analisada sem uma ferramenta como a inteligência artificial. Esse metassistema sócio-econômico-ambiental vai relacionar, prever e simular impactos da agricultura, produtividade, preços, políticas e ações, e chegar a um modelo sistêmico.
O poder da colaboração
Felizmente, percebemos uma conscientização crescente no setor cafeeiro global. Produtores estão adotando novas práticas, consumidores se mostram mais atentos e exigentes, formuladores de políticas públicas começam a escutar. Acima de tudo, acredito no poder da colaboração e cooperação.
Brasil
O Brasil pode se tornar um laboratório para desenvolver esse tipo de colaboração e ter práticas aplicadas também em outros países no futuro.
Agricultura regenerativa 1
A agricultura regenerativa representa um novo paradigma. Ela permite produzir mais e melhor, com menor custo, menos uso de água, menos emissões de carbono e menos necessidade de defensivos agrícolas. Ao mesmo tempo, promove a preservação e a regeneração do solo, oferecendo um café com mais qualidade e menor custo. Desde então, temos dialogado com os produtores sobre a urgência de adotar esse modelo. O que vimos foi uma resposta rápida e comprometida. Hoje, 70% dos produtores que vendem café para nós adotam práticas regenerativas.
Agricultura regenerativa 2
A agricultura regenerativa está se tornando agora mainstream, e sou um otimista. As três estratégias para criarmos uma agricultura clima-resiliente, são, em sequência, melhorar as práticas agronômicas, renovar lavouras com plantas jovens e de variedades mais resilientes para as temperaturas altas e doenças e desenvolver novas áreas de produção.
É preciso um plano nacional de irrigação
O problema meteorológico principal é a distribuição da chuva, que se torna mais e mais irregular, errática. A única maneira de se adaptar a esse problema é a irrigação. E, no Brasil, somente 10% das áreas cultivadas com café são irrigadas. É urgente falar sobre um planejamento nacional para o desenvolvimento da irrigação do café no Brasil. Não está claro se é possível extrair água de aquíferos – que há em abundância em algumas áreas – e quanto se pode extrair. Outras áreas não têm aquíferos, e dependem de chuvas e da capacidade de se criar reservas. É preciso que haja regulamentação.
Fit to fight
A Illycaffè fechou 2024 com números recordes, mesmo com o aumento do ano passado do custo de café. Assim, somos preparados para enfrentar desafios, para enfrentar esta crise. E estamos dando um jeito de calibrar o aumento dos preços, de maneira a evitar um pico, que pode causar um choque de elasticidade de consumo. Ao mesmo tempo, estamos investindo muito, dobrando a capacidade produtiva, lançando novos produtos.
Lançamentos sustentáveis
Estamos lançando uma nova cápsula feita com 85% de alumínio reciclável. E a nossa nova Illetta tem um consumo 10% menor do que uma máquina comercial.
China competitiva
A China está mudando muito. Nós estamos lá há quase 20 anos, conhecemos o mercado. Mas a China está mudando muito, particularmente depois da covid. Essa mudança é contínua e bastante rápida. Para os jovens, o café não é uma bebida funcional, é uma experiência. Mas, se a China se tornou um grande consumidor de café, ela tem um consumo per capita muito baixo. Mas está iniciando uma produção local que é muito competitiva. Vamos continuar lá, mas o problema é a geopolítica.
Geopolítica é o problema
Não temos mais a ordem mundial precedente, mas ainda não temos uma nova ordem mundial. Assim, é difícil [traçar] uma estratégia global. Nós temos ideias claras sobre o desenvolvimento na Europa, nos EUA e na China, mas é preciso ver os próximos anos. A curto prazo, esperamos que a situação se estabilize e comecem a ser recriadas condições de comércio internacional.
Estratégia de crescimento
Eu diria que a palavra mais precisa para descrever a nossa estratégia é a coerência. Continuamos na busca da qualidade, no percurso de conhecimento de toda a cadeia, de uma maneira que haja um consumo maior de café de alta qualidade. Isso implica um modelo de crescimento orgânico baseado na busca de qualidade, em desenvolvimento da marca e em envolver sempre mais consumidores. Essa é a estratégia, mesmo nessas novas condições complexas do mercado.
Empresa regenerativa
A agricultura regenerativa é somente a base de um modelo de toda a empresa. Uma empresa regenerativa produz bem-estar, prosperidade e conservação ambiental. Os lucros são um meio para melhorar o impacto, não são uma finalidade. As áreas prioritárias para esse modelo são ter baixo consumo de recursos naturais e minimizar qualquer forma de produção química ou de emissão de carbono. Isso é o grande capítulo da economia circular.
O futuro do café
Vai ter café até, pelo menos, 2040, 2050. Eu acho que vai ter café sempre, porque tem muitas maneiras de se adaptar às mudanças. Quanto mais estudamos, mais encontramos maneiras de nos adaptarmos.
Os estoques do grão
Estoques são um fenômeno contingente que causa o equilíbrio entre a produção e a demanda e que podem mudar no próximo ano. E, historicamente, não há visibilidade sobre os estoques, pois eles não são quantificados e não se sabe onde estão alocados. Assim, é difícil de interpretar. Mas são fatores contingentes, que podem mudar no próximo ano.